Todos os dias, somos relembrados de que ser mulher significa enfrentar uma série de desafios e isso não poderia ser diferente no mês das mulheres, período importante para celebrarmos vitórias sem esquecer tudo o que ainda precisa ser feito para alcançarmos a igualdade de gênero. Ao longo da história, as mulheres obtiveram conquistas em diferentes campos, mas, infelizmente, ainda vivem em sociedades que perpetuam preconceitos e violências cotidianamente.
No Brasil, as mulheres conquistaram o direito ao voto em 1932, mas somente em 1988 a Constituição reconheceu a igualdade jurídica entre homens e mulheres. Os anos mais recentes foram marcados por legislações fundamentais para a proteção dos direitos das mulheres como a Lei Maria da Penha, criada em 2006 para combater a violência doméstica, e a Lei do Feminicídio, sancionada em 2015. No entanto, uma pesquisa do DataFolha realizada a pedido do Fórum Brasileiro de Segurança Pública mostrou que todas as formas de violência contra a mulher aumentaram em 2022.
A pesquisa Visível e Invisível: a vitimização de mulheres no Brasil traz dados inéditos sobre diferentes formas de violência física, sexual e psicológica sofridas por mulheres com 16 anos ou mais em 2022 e mostra que agressões físicas, ofensas sexuais e abusos psicológicos se tornaram mais comuns na vida das brasileiras. O estudo revelou que 50.692 mulheres sofreram violência diariamente no último ano. As maiores vítimas de violência foram mulheres negras (48%), com grau de escolaridade até o ensino fundamental (49%), com filhos (44,4%), divorciadas (65,3%) e com idade entre 25 e 34 anos (48,9%).
Foi constatado que 33,4% das mulheres brasileiras com 16 anos ou mais experimentaram violência física ou sexual provocada por parceiro íntimo ao longo da vida. Quando o tema é violência psicológica, como humilhações, xingamentos e insultos de forma reiterada, o percentual de mulheres que sofreram alguma forma de violência por parceiro íntimo atingiu 43%. Ao serem questionadas sobre violências sofridas nos últimos 12 meses, 28,9% das mulheres relatam ter sido vítimas de algum tipo de violência ou agressão, a maior prevalência já verificada na série histórica da pesquisa.
Final de relação afetiva causa risco de morte
De acordo com a pesquisa, a promotora de justiça Valéria Scarance Fernandes afirma, em seu mais recente livro, que a perseguição de mulheres por razões de gênero é um dos principais indicadores de risco de morte, especialmente porque a perseguição geralmente ocorre com o final de uma relação afetiva ou devido à recusa da vítima em manter um relacionamento com o agressor. Quando se trata do local da violência, 53,8% das mulheres afirmaram que o episódio mais grave dos últimos 12 meses ocorreu no ambiente doméstico. Este percentual cresceu mais de 10 pontos na comparação com a primeira edição da pesquisa, realizada em 2017, quando 43,3% das mulheres relataram terem sido vítimas de violência em suas residências.
Na edição de 2021, cujo período analisado incluiu o auge do isolamento social durante a pandemia de Covid-19, 48,8% da violência sofrida pelas mulheres ocorreu no ambiente doméstico. O 16º Anuário Brasileira de Segurança Pública, em 2021, constatou que a residência é o principal espaço onde ocorrem violências contra a mulher, incluindo o mais grave tipo: a letal. Naquele ano, foram registrados 65,6% de feminicídios na esfera doméstica.
Os principais autores da violência são companheiros e ex-companheiros, que, somados, são responsáveis por 58,1% dos casos. Os autores desconhecidos correspondem a 24,5% dos casos. Além dos números chocantes relacionados à violação dos direitos das mulheres, chama a atenção o fato de muitas vítimas não procurarem delegacias e outras instituições de segurança pública porque não acreditam em sua efetividade. Isso indica a ineficiência do aparato estatal para garantir os direitos fundamentais das mulheres.
Possíveis caminhos
O estudo mostra a necessidade de ações interdisciplinares que contemplem profissionais da área da saúde, educação, assistência social etc e faz uma série de recomendações para o desenvolvimento de políticas públicas, projetos e programas que auxiliem no enfrentamento da violência contra meninas e mulheres. Algumas delas são: desenvolver campanhas sobre prevenção da violência, direitos e segurança de forma integrada com os equipamentos de áreas sociais, como educação e saúde, para além do trabalho feito nas áreas da segurança pública e justiça.
Outras recomendações são identificar porta-vozes nas áreas social, política, religiosa e outras para falarem sobre a violência contra as mulheres e desigualdade de gênero, desenvolver campanhas voltadas às famílias nos equipamentos de atendimento à saúde, assistência social e nas escolas, de forma a realizar atuações em rede, ampliar e executar o orçamento da União para políticas de prevenção, acolhimento e enfrentamento à violência contra meninas e mulheres, articular e fortalecer as redes de proteção desde o governo federal, incluindo o fortalecimento da Central de Atendimento à Mulher – Ligue 180.
“É interessante pensarmos na questão de sermos mulheres, em termos de singularidades e capacidades que são só nossas, e há uma beleza incrível nisso. Porém, existem muitos desafios com que temos que lidar desde muito cedo. Um deles é a sensação de insegurança, justamente porque somos mulheres. Desde a infância até a adolescência, as meninas são as maiores vítimas de violência sexual. Na fase adulta, percebemos no dia-a-dia que as mulheres estão entre as maiores vítimas de agressão e homicídio. São tantas situações que temos que enfrentar enquanto mulheres na jornada da vida. Há muito o que se fazer ainda, mas já temos grandes avanços”, afirma Carla Andrade, diretora de operações do CADI Brasil.
“Eu, por exemplo, sou imensamente grata a Deus pelo CADI, por termos nos encontrado no meio da caminhada porque, em meio ao caos de tantos problemas sociais complexos, como as situações vivenciadas pelas mulheres brasileiras, podemos encontrar sentido para seguir agindo, esperançando e realizando grandes feitos. Seguimos acreditando em um mundo melhor para todos, especialmente para as meninas e mulheres brasileiras”, completa.